Certo dia reparei em um companheiro de atividades, cheio de dedos ao falar abertamente do trabalho que realizam a Casa dos Espíritos Editora e a instituição parceira que lhe deu origem, a Sociedade Espírita Everilda Batista. A vergonha ou o receio que ele tinha devia-se especificamente à bandeira hasteada por ambas as casas, na qual declaram positivamente:
“Trabalhamos com pretos-velhos e caboclos”.
- Mas o que o movimento espírita vai pensar? - perguntava se. - Uma casa espírita aparecer com um livro como Aruanda? Que casa espírita lança uma obra associada a pretos-velhos e caboclos?
- Entendo suas apreensões - respondi. - Acontece que a nossa sina começou há muito tempo, desde a publicação de Tambores de Angola. Quando lançamos o livro, você se lembra, muitos disseram que havíamos nos tornado umbandistas; agora não há como voltar atrás.
- Então! Imagine uma continuação...
- Mas alguém precisa falar contra o preconceito. Só porque o autor espiritual aborda o tabu umbanda e espiritismo quer dizer que deixamos de ser espíritas? Só porque lançamos um livro que fala de pretos-velhos e caboclos, que tanto têm feito por nós, espíritas, tomamo-nos “anti-doutrinários”? Faça-me o favor! Não perdemos a definição espírita de nossas atividades, porque espírita e o método de trabalho. Kardec é bom senso, e o codificador debatia qualquer assunto, sem medo nem ideias preconcebidas. Quanto aos espíritos, para eles não há barreiras religiosas: onde está o códice que informa a aparência correta de um “espírito espírita”? Kardec fala que é o conteúdo da comunicação que importa, e não a aparência do espírito, que pode ser forjada com facilidade.
As preocupações do companheiro de trabalho, no entanto, não eram infundadas. Com efeito, tudo que se relaciona à cultura religiosa do negro costuma ser assunto controverso, especialmente no meio espírita. Não obstante tanta relutância tenha fortes raízes históricas, é hora de começar a arrancá-las.
Que cesse o preconceito e que vivam as curimbas e as mandingas de preto-velho, a garra e as ervas dos caboclos. Que viva a atmosfera espiritual do Brasil, onde cada um mantém seu método de trabalho, mas sabe respeitar e auxiliar onde quer que seja preciso, com espírito de equipe e de solidariedade. Que vivam os médicos alemães, as freiras e os padres católicos, os árabes e indianos de turbante, os soldados de Roma e todas as falanges e nações que, na pátria espiritual, se reúnem em torno da insígnia de Allan Kardec - e, sobretudo, sob a bandeira do Cristo, de amor e fraternidade.
“União sem fusão, distinção sem separação.”
Fonte: O texto a cima foram originalmente publicados no jornal Spiritus, periódico editado pela Casa dos Espíritos Editora, por ocasião do lançamento do livro Aruanda de Robson Pinheiro.
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